testemunho critico antologia do esquecimento http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2010/07/piolho-001.html
quinta-feira, 29 de Julho de 2010quinta-feira, 29 de Julho de 2010
PIOLHO 001
«Depois de A Revista Filha da Puta, Marquesa Negra ou Última Geração, António da Silva Oliveira (n. 1958), “enfant terrible” das letras lusas, volta a agitar as águas com a revista Piolho (n.º 1, Maio de 2010). Não é preciso muito para pôr a circular este género de “fanzine poético”. Basta a cumplicidade de uns tantos escribas, folhas A4 dobradas e agrafadas, a crueza do objecto em sintonia com a crueza das palavras. Com A. Dasilva O. sempre foi assim. Conhecemo-lo enquanto autor de alguns dos livros mais abjeccionistas de que há memória em Portugal: de Chocolates Choupe la Peace a Coração Sujo, de Excrementos a Peidinhos, de Punhetas de Wagner a Teatro d’Abjecção. Além de escritor, foi livreiro na extinta Pulga, é editor das Edições Mortas, vem sendo, desde os idos de 1980, um coerente e obstinado perturbador do marasmo nacional. Piolho, a revista, é só mais «uma sebenta que circula de mão em mão / Nesse charco que É o POEMA / COM NOVE BURACOS / QUE SANGRAM escárnio e maldizer / nesta época em que os poetas / se crepusculizam». Maldita seja.
Coordenado a quatro mãos (Sílvia C. Silva, Meireles de Pinho, Ricardo Álvaro e A. Dasilva O.), o primeiro número abre com uma prosa-manifesto, assinada por A. Dasilva O., intitulada Os Malefícios da Literatura. O programa está estabelecido: «dizer a verdade contra os representantes da ordem social estabelecida» (p. 3). Mais à frente, do mesmo autor, alguns poemas retomarão o tom, denunciando a «paz podre» que tomou conta do poema (entenda-se puésia), ao mesmo tempo que procuram expelir toda a porcaria que a maquilhagem sobre o corpo procura disfarçar e dissimular. Estes textos são como uma lição de anatomia, a sua “visceralidade” não deixa margem para ilusões. Opondo-se à contaminação do sonambulismo social, despertam no leitor a utopia da verdade. Na verdade, resta-nos admitir que não há verdade alguma que não possa ser resumida à paradoxal insignificância do ser. Parte-se do princípio que é preciso desinchar o ser de Ser, mostrar-lhe a sua composição e (des)construir a literatura a partir deste pressuposto. A literatura só tem a agradecer tanta clareza, embora nos custe acreditar que ao entrar-lhe o discurso por um ouvido não venha logo a sair-lhe pelo outro.
Poemas de António Barahona e de Fernando Guerreiro, assim como os três poemas de m. parissy que se seguem, são bons argumentos. Oferecem-nos um lugar despreocupadamente à margem dos decretos oficiais. Sendo o que são e sem que façam disso intenção, desrespeitam esses decretos. A poesia de tom confessional, elegíaco, meramente descritiva ou memorialista, que vem fazendo escola, assim como as preocupações de embelezamento imagético com metáforas por vezes inalcançáveis, não têm assento nesta anti-cátedra. Por aqui não passa qualquer tipo de ambição iniciática, nenhum desejo de figurar nas antologias, nos compêndios, nenhuma ansiedade baptismal, nenhuma preocupação com ecos mediáticos ou mediúnicos (que também os há, especialmente nas abadias onde se cozinham todo o tipo de simpatias e afeições). Ironicamente, fecha esta Piolho com três traições aos poemas do checo Jaroslav Seifert (1901-1986), Prémio Nobel da Literatura de 1984. Responsabiliza-se pelo acto terrorista Sílvia C. Silva, que também assina três textos em apetitoso registo de metáfora gastronómica.
Versos de Humberto Rocha, Pedro Águas, Ricardo Gil Soeiro, A. Pedro Ribeiro, Zarelleci, Miguel Martins, João Pereira Matos, Ricardo Vil e Ricardo Álvaro, assim como narrativas de Raul Simões Pinto, Nuno Brito e Rui Costa, mais um drama de Suzana Guimarães, compõem o resto do ramalhete. Sem escapar a uma postura mais ou menos ensaiada de contrapoder, alinham-se rimas em toada rap (Suzana Guimarães), sátiras de inspiração picaresca (Miguel Martins), incursões pelos timbres exóticos do Brasil (Rui Costa), etc. Escatologia, anticlericalismo, sexualidade explícita, situacionismo, um certo culto da maledicência, intervenção anarquista, terrorismo poético, são alguns dos chavões que podemos utilizar para caracterizar os conteúdos da Piolho – um objecto que me faz acreditar nem tudo ser, na poesia portuguesa, à moda kantiana, ou seja, conforme o dever. Não consegui apurar a autoria das ilustrações»(Teresa Camara Pestana (ilustrações), Meireles de Pinho (capa) anota o editor). http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2010/07/piolho-001.html
quinta-feira, 29 de Julho de 2010quinta-feira, 29 de Julho de 2010
PIOLHO 001
«Depois de A Revista Filha da Puta, Marquesa Negra ou Última Geração, António da Silva Oliveira (n. 1958), “enfant terrible” das letras lusas, volta a agitar as águas com a revista Piolho (n.º 1, Maio de 2010). Não é preciso muito para pôr a circular este género de “fanzine poético”. Basta a cumplicidade de uns tantos escribas, folhas A4 dobradas e agrafadas, a crueza do objecto em sintonia com a crueza das palavras. Com A. Dasilva O. sempre foi assim. Conhecemo-lo enquanto autor de alguns dos livros mais abjeccionistas de que há memória em Portugal: de Chocolates Choupe la Peace a Coração Sujo, de Excrementos a Peidinhos, de Punhetas de Wagner a Teatro d’Abjecção. Além de escritor, foi livreiro na extinta Pulga, é editor das Edições Mortas, vem sendo, desde os idos de 1980, um coerente e obstinado perturbador do marasmo nacional. Piolho, a revista, é só mais «uma sebenta que circula de mão em mão / Nesse charco que É o POEMA / COM NOVE BURACOS / QUE SANGRAM escárnio e maldizer / nesta época em que os poetas / se crepusculizam». Maldita seja.
Coordenado a quatro mãos (Sílvia C. Silva, Meireles de Pinho, Ricardo Álvaro e A. Dasilva O.), o primeiro número abre com uma prosa-manifesto, assinada por A. Dasilva O., intitulada Os Malefícios da Literatura. O programa está estabelecido: «dizer a verdade contra os representantes da ordem social estabelecida» (p. 3). Mais à frente, do mesmo autor, alguns poemas retomarão o tom, denunciando a «paz podre» que tomou conta do poema (entenda-se puésia), ao mesmo tempo que procuram expelir toda a porcaria que a maquilhagem sobre o corpo procura disfarçar e dissimular. Estes textos são como uma lição de anatomia, a sua “visceralidade” não deixa margem para ilusões. Opondo-se à contaminação do sonambulismo social, despertam no leitor a utopia da verdade. Na verdade, resta-nos admitir que não há verdade alguma que não possa ser resumida à paradoxal insignificância do ser. Parte-se do princípio que é preciso desinchar o ser de Ser, mostrar-lhe a sua composição e (des)construir a literatura a partir deste pressuposto. A literatura só tem a agradecer tanta clareza, embora nos custe acreditar que ao entrar-lhe o discurso por um ouvido não venha logo a sair-lhe pelo outro.
Poemas de António Barahona e de Fernando Guerreiro, assim como os três poemas de m. parissy que se seguem, são bons argumentos. Oferecem-nos um lugar despreocupadamente à margem dos decretos oficiais. Sendo o que são e sem que façam disso intenção, desrespeitam esses decretos. A poesia de tom confessional, elegíaco, meramente descritiva ou memorialista, que vem fazendo escola, assim como as preocupações de embelezamento imagético com metáforas por vezes inalcançáveis, não têm assento nesta anti-cátedra. Por aqui não passa qualquer tipo de ambição iniciática, nenhum desejo de figurar nas antologias, nos compêndios, nenhuma ansiedade baptismal, nenhuma preocupação com ecos mediáticos ou mediúnicos (que também os há, especialmente nas abadias onde se cozinham todo o tipo de simpatias e afeições). Ironicamente, fecha esta Piolho com três traições aos poemas do checo Jaroslav Seifert (1901-1986), Prémio Nobel da Literatura de 1984. Responsabiliza-se pelo acto terrorista Sílvia C. Silva, que também assina três textos em apetitoso registo de metáfora gastronómica.
Versos de Humberto Rocha, Pedro Águas, Ricardo Gil Soeiro, A. Pedro Ribeiro, Zarelleci, Miguel Martins, João Pereira Matos, Ricardo Vil e Ricardo Álvaro, assim como narrativas de Raul Simões Pinto, Nuno Brito e Rui Costa, mais um drama de Suzana Guimarães, compõem o resto do ramalhete. Sem escapar a uma postura mais ou menos ensaiada de contrapoder, alinham-se rimas em toada rap (Suzana Guimarães), sátiras de inspiração picaresca (Miguel Martins), incursões pelos timbres exóticos do Brasil (Rui Costa), etc. Escatologia, anticlericalismo, sexualidade explícita, situacionismo, um certo culto da maledicência, intervenção anarquista, terrorismo poético, são alguns dos chavões que podemos utilizar para caracterizar os conteúdos da Piolho – um objecto que me faz acreditar nem tudo ser, na poesia portuguesa, à moda kantiana, ou seja, conforme o dever. Não consegui apurar a autoria das ilustrações»(Teresa Camara Pestana (ilustrações), Meireles de Pinho (capa) anota o editor). http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2010/07/piolho-001.html
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