José Alberto Resende de Figueiredo Pimenta, cidadão nacional
nº 727697, natural do Porto, soldado sem instrução incorporado na reserva
territorial, licenciado em filologia alemã pela universidade de Coimbra, esteve
exposto, no dia 31 de Julho de 1977, entre as 16 e as 18 horas, numa jaula do
Palácio dos Chimpanzés do Jardim Zoológico de Lisboa.
Nunca mais parou de ser perseguido pelo filho da puta do Homo
Sapiens como me confessou numa entrevista para a revista Última Geração 4/5 maio/Junho de 1987 «Acho que ninguém
quer morrer sozinho. Ser morto pode dar por instantes a ilusão da imortalidade.
Os heróis correm atrás disso duma maneira, os artistas doutra. Cada herói e
cada artista cria actos e palavras para todos os gostos, cria modelos. Estes
modelos são uma doença incurável, um autêntico cancro do cérebro. A maioria dos
artistas não faz mais que fomentar cancros do cérebro. Eu inclino-me mais para
o género SIDA, acho mais catita «limpar» as defesas do parceiro que engordá-lo
com tumores. A maioria da arte que se faz hoje é um tumor» e Alberto Pimenta
tem cumprido essa Epopeida poética, em caixa alta, «porque é bom de ver que se
trata: o mundo transferiu para o écran o que costumava mostrar cifrado num
livro, letra a letra. Foi uma conquista dos analfabetos, e ainda bem» ele
também conquistou e conquista jogando com as armas (defesas?) do adversário «a
minha cara incomoda tanto filho da puta, que só isso já é um regalo» umA Divina Multi(co)media, &Etc, 1991, bêbada
de Metamorfoses do Video, José Ribeiro
editor, 1986 o que ao longo do tempo Alberto Pimenta tem
corroído com magia as máscaras e os rostos do logos e toda a sua arte de matar: «Mas mais e melhor ainda mata o
museu, e a biblioteca em certos casos. As obras estão vigiadas como
prisioneiros. Só podem visitar-se sob tutela e a certas horas e dias.» in A Magia
que Tira os Pecados do Mundo, 1995, Edições Cotovia.
E aqui se prova e se
comprova: uma vida inteira a bater no mesmo teclado «Essa é a magia, guardada
em 22 letras e seus traços de união» do eterno retorno à sua terra/jaula/livro
entre vómitos e náuseas e suores de quem não sai do sua catártica e ética
tarefa «Eu, Alberto Pimenta, nasci cerca de 750 anos depois de Alberto Magno, o
qual conhecia 4 variedades de rosas (mais duas que eu), e ainda outras magias
apreciáveis, que deixou registadas no Grande
e no Pequeno Alberto. E algum que fosse só Alberto, sem ser grande nem pequeno, não havia? Parece impossível,
mas a história não deixa: todos hão-de ser uma daquelas duas coisas. Essa foi a
grande descoberta da minha vida, foi como a descoberta de Copérnico: quem dá as
dimensões é a História, e a plebe erudita tira por aí as medidas para fazer os
fatos. Hoje vou tirar eu as medidas, com outras dimensões, se V.Exas não se
importam.»
Moral da História: dos
Poetas não reza a História.
É nesse e
esse o inferno que Edgar Pêra narra, escreve e disseca Alberto Pimenta segundo
as suas próprias palavras.
Foi nas Conferências do Inferno, segunda edição,
1994, Última Geração 22,23 e 24, que se encontraram e que vieram a dar
origem, em encontros futuros, a estes dois filmes:
- No primeiro Fiquem Qom a Qultura, eu fiko komo Brazzil,
o Grande e o Pequeno Alberto ironizam sobre si o estado do ser. E se um mija e
caga no outro, este, exerce a cidadania encobrindo a miséria do mundo com
jornais culturais.
Alberto
Pimenta liquida magistralmente esse «desejo» poético de querer ser um outro, Rimbaud, e como escreve Carlos Nogueira in A Sátira na Poesia Portuguesa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 2011 «construindo mundo singulares, únicos, bizarros,
dá-nos a ver, num jogo fértil em analogias, mundos que afinal são os nossos»
sem ceder «a qualquer forma de facilidade ou indulgência, nem apresenta ou
insinua respostas lineares; de vocação polifágica, questiona as rotinas, as
intemperanças da sentimentalidade e do conformismo, os consensos estéticos que
não deixam descobrir novos ângulos no real, os excessos dos saberes e dos poderes
instituídos».
- No segundo,
3 Dias com Alberto Pimenta,
Alberto Pimenta está no Paraíso e narra, durante três dias, ora por fora, ora
por dentro, as voltas dadas no túmulo, Portugal, e das suas línguas. Duas. Uma
erudita, outra popular. Entrelaça-as libidinosamente na garganta funda do
estado poético. O estado dum país de poetas que se dá ao trabalho de
vilipendiar com um «riso de uma inteligência aberta, perscrutante e corrosiva»
Carlos Nogueira.
Alberto
Pimenta psicanaliza-se durante o mover do seu discurso no útero, no sexo, no
corpo da mãe fálica que não pára de escrever, a dormir, a sonhar acordado ou a
ler, com requintes de talhante, a sua obra «Morreu. Eu deitei-lhe mau-olhado.
Quando ela saiu do seu canto. Foi sem querer, mas isso não atenua a culpa. Aos
olhos do diabo, isso não atenua a culpa. À semelhança de todas as forças de
segurança e de todas as enfermarias de hospitais psiquiátricos, o diabo julga e
executa segundo o que acha mais conveniente.» in A Divina Multi(co)media.
E o Discurso Sobre o Filho-da-Puta, Teorema,
1977? Enquanto não fizer parte
oficial dos programas do Ciclo será lido como elogio fúnebre.
A. Dasilva O.
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