02 março, 2017

LÓGOS – ENTREVISTA A A. DASILVA O.


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LÓGOS – ENTREVISTA A A. DASILVA O.
Numa conversa com Adília César e Fernando Esteves Pinto, A. DASILVA O. revela-se um editor com muitos anos de experiência editorial e figura representativa da história da literatura alternativa e marginal. A. DASILVA O. não nasceu, foi inventado por António S. Oliveira [Antonio Silva Oliveira ](1958). É poeta: entre outros editou na Casa Museu A. Dasilva O.: Eco ou o Gago, 1982, ed. autor; Chocolates Choupe la Peace, 1984, ed. N; X-Acto, 1985, Black Sun ed.; Anti-Cristo, 1993, ed. Mortas; Fuck You, 1995, ed. Mortas; Desobediência Poética, 2002, Black Sun ed. É dramaturgo de O Último Desejo de um Serial Killer, 2000, ed. Mortas; Teatro d’Abjecção, 2005, ed. Mortas. Destaca-se ainda: Correspondência Amorosa Entre Salazar e Marilyn Monroe, 1997, ed. Mortas; Diários Falsos de Fernando Pessoa, 1998, ed. Mortas; O Livro Mau, 2003, ed. Mortas; Vis (teatro), 2012, ed. Mortas; O poeta choupe la peace, 2016, ed. Mortas; [COBRA COMPLETA] 1978-2016, ex. único, ed. Mortas. Colaborou em várias revistas e jornais. Criou e editou várias revistas: Arte Neo, a revista Filha da Puta, Papa, Marquesa Negra, Broche Suburbano, Última Geração, Voz de Deus, entre outras. Promoveu e realizou em dose dupla As Conferências do Inferno, Os Encontros com o Maldito em colaboração com o grupo de teatro Contracena. Co-fundou e dirigiu a Rádio Caos onde realizou entre outros programas: A. Dasilva O. Fala ao País, Pã&Pika, Teatro d’Abjecção, Punhetas de Wagner. António S. Oliveira além de literariamente dar à luz A. Dasilva O. (1980) publicou: Carta a um Morto, 1993, Black Sun ed.; Uma Pequena Obra Prima, 1995, ed. Mortas; Auto-Retrato de Um Decadente, 1997, Black Sun ed.; Pide, 1997; Sete Beijos Numa Pedra, 2000, ed. Mortas; O Bem Volta a Atacar (Teatro), 2003, ed. Mortas; Sol para presas (fotografia),2015, edições Mortas; Um poema podre de rico, 2016, ed. Mortas. Fundou as Edições N. Fundou e dirige as Edições Mortas. Fundou a revista de poesia Piolho e a magazine Estupida que edita em conjunto com a editora Black Sun.
LÓGOS: 30 anos de edições independentes é muita marginalidade. Como editor/autor tens já um longo cadastro na cena literária. Como é que tudo começou?
A. DASILVA O.: Nas cagadeiras do estado poético, diz A. DASILVA O. (Gargalhadas). Mas, diz o António S. Oliveira, que a lume o pariu, … começou na rua de Santa Catarina, Porto, entre o Café Majestic e o Grande Hotel do Porto, o mesmo será dizer inversamente, entre o Guerra Junqueiro, muitas vezes à porta do GHPorto e o Putedo da Nova Renascença (Pausa para cuspir).
Zangados com o sistema e perante o poema impossível, a rua é a nossa universidade onde exercemos o espírito da nossa liberdade de livres pensadores, bravas putas e francos atiradores (Pausa)…
Era o nosso vomitório principal de sitiados dum bloqueio artístico ou cultural. “Olá homem doméstico” e “Bordel” foram as nossas primeiras edições de rua que deram conteúdo à “Arteneo, a revista Filha da Puta” (Sorriso diabolicamente desdentado).
LÓGOS: Abriste uma livraria – a Pulga, direccionada para publicações independentes, e pretendeste que o espírito do projecto se alastrasse a vários pontos do país, criando assim uma rede de livreiros com o mesmo propósito: dar destaque às pequenas editoras. Como correu essa experiência?
A. DASILVA O.: Fiquei todo fodido. Ainda ressaco dívidas (Engole em seco) …
Depois de perder e ter sido roubado por centos de postos de venda onde nem dinheiro nem livros: decidi-me. Queria encher Portugal de Pulgas, onde a ideia era em cada localidade ser gerida pelo projecto editorial local, mas não foi possível (Esgar) …
Mas gostei da experiência, algo infernal, pois é preciso ter acima de tudo rins para ser livreiro e muitos clientes que compravam os livros nas fnacs vinham solidariamente visitar-me na minha cela-jaula, a felicitar-me por ainda ter fechado, dizer mal das fnacs e afins, e saber das minhas leituras. Cheguei a correr com um, desamiguei, com o Livro Mau (Gargalhadas)…
LÓGOS: A revista piolho é agora o teu insecto de estimação?
A. DASILVA O.: Estupidamente é (risos).
Emocionado: Coincidiu com o surgimento do meu filho Fausto, e no café Piolho decidi avançar com a velha praga e honrar as publicações clandestinas que circulavam em stencil pelos cafés. A Piolho pegou de estaca e deu origem à «Estúpida» que é um prolongamento de Última Geração, Voz de Deus, e tenta estupidamente reflectir pensamentos, actos e acções contra o que nos rodeia e cerca…
LÓGOS:Como é que se combate aqueles editores dos grandes grupos editoriais que acham que a poesia é uma espécie de parasita das livrarias, e como tal só ocupa espaço e não dá lucro. A poesia é um mau negócio para os livreiros?
A. DASILVA O.: Sim (risos), concordo que os editores devem ser parasitas dos grandes grupos editoriais, que são editores de livros de poesia na clandestinidade para quem os ouve. São como aqueles ex-governantes que se desfazem em lamentos culpando a burocracia e a democracia da sua falta de honestidade. Os revolucionários que lutam edipianamente contra o Capitalismo, por dentro (pausa) …
Convém destacar e ouvir editores: Antígona, Relógio d’Agua, Letra Livre, Etc., etc., para desmontar e combater os actuais grupos editoriais grandes fornecedores de farrapeiros e aterros sanitários (pausa).
É, a poesia é um mau negócio, apesar dos sucessivos corrimentos do champanhe entre as suas pernas. O poeta pode vender-se como é visível quando publica, os seus familiares e amigos não largam as livrarias, memórias da pulga, a comprar livros. Sócrates é apenas mais um exemplo (pausa). A poesia não se vende…
LÓGOS: Que diferença encontras nas novas editoras independentes e marginais ou nas novas revistas literárias em relação a projectos como por exemplo: a Marquesa Negra; Última Geração; a Voz de Deus ou as Edições Mortas? Achas que se perdeu a coragem de combater e de subverter? Ou esta é uma geração do bom comportamento?
A. DASILVA O.: Há muitos fanzineiros em actividade, depois dum período de nojo electrónico, muito interessantes e com as fragilidades normais. Surgiram em força com o movimento das rádios livres dos anos oitenta, 1984… que considero ter sido o Movimento Literário tranver-sal e multi-contracultural, que tem movido teses e tesões.
LÓGOS: De que forma o humor corrosivo e chocante de António S. Oliveira (editor) convive com o poeta subversivo A. Dasilva O.?
A. DASILVA O.: Um martírio a ser aberto. Um só corpo com duas cabeças diabólicas, parabólicas e impossíveis (pausa). Um já tentou matar o «outro», como manda a tradição-ruptura, mas em tal peça de teatro ele aparece sempre no fim a receber os louros… palmas e bravos.
A. Dasilva O.. Introvertido do mal. É o panfletário da contracultura da Natureza. Sempre a desfazer-se em desmitificação contra os perigos da floresta negra, entre as balas, sempre a cavar a mesma trincheira, vala comum denunciando os cadáveres que os Cães–assassinos enterram desde a noite dos tempos. (Pausa) «este riso, diabólico e tumultuário, é metonímia em que o real se devora para viver…por tudo isso, a lei desta obra (Excrementos) é a verdade mais temível da sátira: aquela em que ela nos surge como espelho que ao virar-se para nós, ameaça identificar-nos.» in A Sátira na poesia portuguesa, pág. 515,…, de Carlos Nogueira, ed. Fundação Calouste Gulbenkian – Textos universitários de ciências sociais e humana, 2011. Leitura obrigatória (risos). O único gajo com tomates a preocupar-se com a minha Besta (Gargalhadas).
António S. Oliveira, esse inútil extrovertido da patografia, só diz o que pensa e edita livros e revistas em comunidade, tal máquina de chumbo sempre a imprimir o mesmo cadáver esquisito da contracultura do Livro. Não edita livros que gosta, mas o que tem de Ser.
LÓGOS: Existe uma cena literária no Porto? Isto é: achas que ainda faz algum sentido haver um espírito de grupo que aproxima poetas de diversas correntes e estilos para se encontrarem regularmente em tertúlias literárias, como acontecia no passado com alguns escritores que se reuniam no café Piolho, no Porto, ou no Café Gelo, em Lisboa? Ou hoje é tudo mais ego-individual?
A. DASILVA O.: Há cenas que só se unem contra a zika-cena lisboeta liderada por ex-cenas zikas portuenses que se desfazem em beija-mão, mas no escuro pântano, essa inteligência (risos, pausa)…
Tal como o Bispo do Porto (gargalhada), estou aberto ao leitor, narrador e narratários às quartas-feiras no café Piolho ao fim-da-tarde. A maior parte das vezes é mais transpiração e conspiração de quem mata e esfola… (gargalhadas, escárnio e maldizente. Pausa. Cenas de homem comum na sua zona de confronto. Pausa).
Tal como no passado que muito se mistifica por aí com gelo ou puro.
LÓGOS: Parece que os critérios comerciais da literatura estão entre a valorização da mediocridade e a subvalorização da qualidade, criando nos leitores uma ilusão de literacia. Quem são os culpados?
A. DASILVA O.: (Pausa longa) Sou crítico. O que se tem valorizado tem sido os derivados do livro e da leitura de conteúdos e escrita criativa. É função do mercado e seus valores com causa: pela leitura matar o leitor. Pela escrita matar o escritor. Etc., etc., etc.. E tudo manipulado ao pormenor com requintes de populismo e manias de perseguição. O discurso da ordem é o prolongamento da palavra de deus que vivo, morto ou morto-vivo deverá libertar-nos de nós mesmos. O inimigo somos nós (pausa longa como diz António S. Oliveira na sua Carta a um morto. Pausa).
A Censura não pára de escrever e publicar derivados do livro e de como se livrar da literatura, esse mal necessário que combater deve-se (Pausa).
A Censura é uma doença literária, sobretudo. E tal com o Diabo, está à porta da igreja. A Censura está sempre às portas do Livro. A ler e a tomar apontamentos dos seus discípulos (Pausa).
LÓGOS: Ainda consegues encontrar no mercado editorial livros que te dêem prazer de ler?
A. DASILVA O.: Sim, como não tenho ensino superior – sou um caso de sucesso por o ter recusado (risos) – é-me negada a consulta numa cela da biblioteca de alguns livros. Mas os Livros perseguem-me e lá os vou encontrando em farrapeiros e tal, como animais abandonados trago-os para aquecer a minha miséria mental (Gargalhadas).
Sério. Um dia destes encontrei um caderno de apontamentos onde está escrito por mão «suicida»: “Estou feliz por finalmente começar a escrever”. Folheando apenas números de telemóvel dum psiquiatra e dia, data e hora da consulta. Dizem que estes livros faziam fundo na antiga biblioteca de Alexandria.
LÓGOS: Onde colocarias a salvo a tua obra literária?
A. DASILVA O.: Dentro duma salamandra, para aquecer os últimos dias da Humanidade (sorri).