15 abril, 2018

O COMUNEIRO aí está mais um número e aqui se reproduz as suas intenções

Introdução


Recriar o fascismo como comédia e reality show parece ser o desígnio da atual Casa Branca, mas o exercício tem todos os requisitos para terminar em guerra, que é espetáculo, sim, mas não faz rir. Sob cínica conspiração sionista ou a instâncias da ansiosa Albion, as rubras cabeleiras do horror querem se erguer de novo. Fascismo, supremacismo rácico e guerra são siameses inseparáveis. Guerra é também o resultado quase inevitável de uma crise crónica de lucratividade, como também do deslizamento no equilíbrio relativo e fricção entre potências imperialistas ascendentes e descendentes. Pode acontecer na Síria-Líbano, no Irão, no Iémene, na Venezuela, na Coreia ou nos mares meridionais da China. Está para acontecer, quase que não é crível já que não aconteça.

Podemos ter as opiniões mais desencontradas sobre a probidade pessoal de Lula e os méritos históricos do seu projeto político de conciliação e neodesenvolvimentismo. Mas não podemos ficar indiferentes nem decretar neutralidade numa luta pela democracia que envolve também a soberania e a dignidade nacionais. Em circunstâncias em que isso se torne necessário, a democracia burguesa defendemo-la nós, os comunistas, contra a própria burguesia em peso. Como fomos já nós os que estivemos na vanguarda da luta por ela. Só com o pé colocado bem firmemente nessa soleira é que podemos aspirar a outros patamares de emancipação e desenvolvimento humanos.

Neste número de O Comuneiro, Ângelo Novo prossegue as suas meditações sobre a marca indelével deixada no nosso tempo pela revolução de outubro. Depois de ter aberto a primeira parte do seu ensaio com oaustralopithecus afarensis, consegue agora chegar, em esforço, até à tomada efetiva do Palácio de Inverno. Estão aqui em análise o papel da intelligentsia russa na longa luta contra o czarismo, a evolução do pensamento de Lenine, o vendaval destruidor da grande guerra e o seu peso constrangedor sobre a vida oprimida do povo russo e as opções políticas do pós-czarismo. O autor pretende ainda, futuramente, fazer um breve balanço das inacabadas realizações da revolução soviética e rastrear o seu impacto político sobre todo o século XX e para além dele.

Quando O Comuneiro iniciou a sua publicação, em setembro de 2005, tínhamos como uma das nossas fontes de inspitação uma publicação em língua inglesa intitulada The Commoner  que infelizmente já deixou entretanto de se publicar. O seu nº 2, de setembro de 2001, sobre “Enclosures, The Mirror Image of Alternatives”, era muito forte, e dele resolvemos publicar aqui dois ensaios particularmente inspiradores. Massimo de Angelis revisita o conceito de acumulação primitiva em Marx para defender que ele deve ser entendido não como um evento pretérito prévio ao curso “normal” da acumulação capitalista, mas como uma categoria própria de todo o processo capitalista. Não há nada de “normal” na acumulação capitalista, que é um esbulho contínuo, contra o qual se deve levantar continuamente a nossa vontade de retomar a posse sobre a produção das nossas vidas. Michael Perelman olhou de perto os escritos da economia política clássica e descobriu que o discurso teórico do laissez faire esconde uma realidade muito mais sinistra de intervencionismo violento para assegurar a escravização da massa assalariada.

O ecossocialismo contemporâneo reclama-se a justo título continuador da visão materialista de Marx sobre o metabolismo entre a sociedade humana e a natureza. Michael Löwy oferece-nos um conspeto mais matizada do que pode ser considerado o legado ecológico de Marx e Engels, em que as intuições geniais e fecundas, deixadas em bruto, têm de ser resgatadas de um discurso geral que não está livre de sombras produtivistas e propósitos de instrumentalização da natureza.

Ruy Mauro Marini deixou-nos, demasiado cedo, fez já vinte anos. Claudio Katz faz um balanço do seu legado, procurando destrinçar o que está hoje mais vivo do que nunca e o que porventura será preciso repensar dentro do rico acervo da teoria da dependência. Prabhat Patnaik medita brevemente sobre o declínio atual do discurso público - vitimado pela praga infestante da mercantilização - e o que isso pode significar como asfixia da democracia, cujo único resgate possível é a luta pelo socialismo. António Pedro Dores interroga-se sobre quem são e que função simbólica cumprem, como sacrificadas, as pessoas que a nossa sociedade faz questão de encarcerar atrás de grades.

O sonho da razão produz monstros, dizia Goya, como que antevendo o fascismo. Alain Badiou reflete sobre estes tempos trumpianos em que a oligarquia financeira se embriaga na hora do triunfo da sua unipolaridade. Mas o espírito humano é teimoso e já levanta de novo o horizonte comunista como a alternativa que lhe quiseram negar. Um novo projeto comunista é precisamente o objeto da reflexão de Tom Thomas. Partindo do que considera ser a idade senil do capitalismo, assoberbado por uma crónica crise de lucratividade, convoca-nos a construir uma sociedade do tempo livre e do trabalho rico, com necessidades mais evoluídas e densamente humanas. Para aí chegar, no seu entender, devemos construir um polo político de luta proletária com alteridade e oposição absoluta ao universo da valorização capitalista e às ilusões reformistas e estatizantes que se contêm no seu seio.

Agradecemos toda a divulgação possível do conteúdo deste número de O Comuneiro, nomeadamente em listas de correio, portais, blogues ou redes sociais de língua portuguesa. Comentários, críticas, sugestões e propostas de colaboração serão benvindos. Agradeceríamos em particular a ajuda voluntária e graciosa de tradutores.


Os Editores

Ângelo Novo

Ronaldo Fonseca