05 setembro, 2005

5.09

Não, não estivemos de férias, apenas presos no transito dum grande incêndio. Pelo
facto pedimos desculpa

Mão assassina 1

Já foram alvo duma tentativa de homicídio? Eu fui ontem e digo-vos é uma experiência acima de qualquer adjectivo. Logo pela manhã - o verão é assim: nada faz sentido- entre desvios em terra de ninguém encontro-me com o 1200 num caminho de terra batida inundado de covas e lixo urbano de toda a espécie e feitio, difícil até para o mais preparado dos todo terreno. Não foi a primeira vez. Mas esta experiência forçada por obras foi mais absoluta por inesperada. Ninguém se feriu e o velho 1200 lá se aguentou.

De volta ao final da tarde as cinturas do grande porto enchem-se de lantejolas, transformando a urbe num poço da morte e nestes pessoanos pensamentos, junto ao norte shopping – à entrada do viaduto, à volta das 19h- faço uma manobra como manda a lei e sou surpreendido por uma viatura, com a marcha assinalada, (alguém em perigo?) coloca-se ilegalmente do meu lado direito, (deve ser grave) mas o que quer é albarroar-me, até que se atravessa na minha frente e sai da viatura um jovem em pânico gritando que o filho e coisas e tal, ao mesmo tempo que a porta traseira, do lado do condutor, se abre com uma jovem ...e bom, julgo, algo aconteceu à criança, quer ajuda, julgo e meto a cabeça fora da janela quando sou surpreendido (Kafka prova-nos o contrário) pelas suas mãos à volta do meu pescoço, não muito convincentes. Reajo tenso em legítima defesa e grito-lhe com voz da consciência: não matarás!

Não me seria difícil recuar e, ou agarrado que lhe tinha o pescoço em lho partir, mas não, o simpático decidiu não reagir (agradeço o meu auto-controlo) até porque parece que o assassino acordou. Volta para a viatura, cabisbaixo, olhando o 1200 com cara de equívoco? (sim é habitual vê-la nos filmes). A jovem mãe, presumo, olha-me com uns gestos de quem estava a controlar as operações, dando-me a ideia de que foi ela que ordenara esta irracional situação (para protejer a sua cria? Ou livrar-se do marido?). Nada fez para o impedir, sequer para o socorrer, apenas contemplou serenamente (sim, a sua cria estava fora de perigo). Tal como o trânsito que se arrasta em fila indiana. Das outras viaturas em presença nem um gesto. Mais pareciam num drive-in.

Só acontece ao Outro

Olho em frente e vejo o frustrado assassino a olhar-me pelo seu retrovisor. Da jovem mãe nenhuma imagem, a existir, imagino que se esteja a desfazer em atenções para com a sua cria. Olho-me no retrovisor:

“ Perfil

Há uma distância
Nas ruas
Pressentida

Espaço
Ocupados
Por movimentos

A parte interior
Do corpo acede
À indiferença

Na ânsia
As mãos pegam-se
Com vício

À parte
Existem os ruídos
Dos espelhos

O rosto da rua
Transmuta-se

O acontecimento
Das horas
Precipitadamente

Um absurdo
Em tudo
Na margem
Bem sinalizada

É o rosto
Dos passeios
E do trânsito”

In “Cinco Luas e Um Navio” de Rui Carlos Souto .

Livro do mês: “ O frio da sombra na parede” de Alberto Pimenta, a 4,50 euros. Não há livro da semana, mas temos doses (4) a preço especial: cinco livros (edições mortas), 24 euros e duas doses de última geração: 4 revistas a 5 euros.

Não se esqueça:

Você paga mas não paga

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